sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O Passarinho



Quando criança meus avôs cuidavam de mim enquanto minha mãe trabalhava. Meus primos mais velhos frequentavam a escola, mas eu ainda não tinha idade suficiente para isso. Vez ou outra eu gostava de ir à creche em frente a minha casa brincar com as crianças, embora eu não gostasse de ficar por lá todos os dias como as outras cujas mães trabalhavam. Acho que certos ambientes se tornam sagrados por serem um abrigo na hora da fuga, mas não seriam tão mágicos se fizessem parte da rotina.
            Aos domingos era possível frequentar o parquinho da creche que ficava quase vazio, mesmo assim parecia divertido. No entanto o que mais me agradava era que eu poderia passar algum tempo com a minha mãe. Num desses nossos momentos, antes de chegarmos ao parquinho nos deparamos com um passarinho caído no chão que tivera sido atingido por uma pedra lançada por um estilingue. Nunca entendi a necessidade cruel de algumas crianças exercitarem os seus instintos assassinos numa criatura tão inocente quanto um passarinho.
            Nós pegamos aquele pequeno ser e o levamos para casa. Então cuidamos do seu ferimento e lhe demos um pouco de água. Eu o coloquei numa caixa de sapatos num cantinho da cozinha para que ninguém o perturbasse. Eu estava feliz e esperançosa de que em breve o passarinho estaria curado e voando por aí. Olhei-o uma última vez e fui tomar banho. Ao sair do banheiro me deparei com o passarinho na boca da gata do meu avô. Chorei copiosamente.

            Eu gostava da gata, sempre brincávamos juntas e ela certa vez impedira que uma cobra me picasse; mas eu não conseguia aceitar que ela tivesse sido capaz de um ato que para mim era hediondo. Eu não entendia seus instintos de caçadora e a sua preferência gastronômica, eu apenas conseguia vê-la como uma assassina. São coisas muito complexas para o entendimento de uma criança tão pequena.

Imagem: We heart it


6 comentários:

  1. Que dó. Já aconteceu algo parecido comigo. Você me inspirou a escrever um conto.

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  2. Linda história de infância..é verdade, quando criança não temos discernimento das coisas.
    Abraços.Sandra

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  3. A gente pensa que os bichos são assassinos por matarem uns aos outros, mas não temos consciência de que, indiretamente, fazemos a mesma coisa :~

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  4. Imagem linda, mas triste texto.
    Acho tudo muito complexo, matar para alimentar, instintos... Não sei, minhas crenças tem uma explicação, inclusive para o motivo de eu não me acostumar com isso...
    E sobre pássaros, em vez de tucanos e araras gritando na minha janela em Bonito, hoje tenho pequenos e delicados fazendo a farra na minha janela... Das 16 kitnets eles vem na minha <3

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  5. Pois é, acho que esses instintos nascem com algumas crianças e acompanham-as para toda a vida, infelizmente.
    Meu filho é super traquina, mas seria incapaz de fazer mal a qualquer animalzinho.
    Pena que o passarinho tenha tido tal destino, mas os animais não têm esse tino que nos permite distinguir o bem do mal. Apenas instinto de sobrevivência.
    Beijinhos Madrepérola e boa quinta.

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  6. Essa história é muito triste, mas você conseguiu expressar tudo de forma muito delicada e bonita. Sempre é difícil compreendermos certas coisas quando somos crianças.

    O que me deixa triste é que algumas pessoas cometam crueldade parecida mesmo depois de se tornarem adultas...

    Bjos!

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