segunda-feira, 12 de março de 2012

Sobre o poema "Receita de mulher" de Vinícius de Moraes

Eu sempre vejo as pessoas citando esse trecho do poema: "As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental", em primeiro lugar devemos lembrar que um trecho da obra não pode ser analisado isoladamente e em segundo não importa quantas vezes eu leia "Receita de Mulher" eu não consigo enxergá-lo de forma tão fútil, destacando somente a aparência física de uma mulher. Vinícius de Moraes trata de vários tipos de beleza no poema, além do físico o comportamento e a elegância. Por isso decidi trazer o poema a vocês com alguns trechos destacados, defendendo um dos meus poetas favoritos, leiam atentamente e postem a visão de vocês sobre o assunto.


As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental.
É preciso que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (OU ENTÃO QUE A MULHER SE SOCIALIZE ELEGANTEMENTE EM AZUL,
COMO NA REPÚBLICA POPULAR CHINESA)
.
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como no âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
SEJA BELA OU TENHA PELO MENOS UM ROSTO QUE LEMBRE UM TEMPLO E
SEJA LEVE COMO UM RESTO DE NUVEM:
mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos então
Nem se fala, que olhe com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável.
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteie em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mas que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas que haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto, sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!).
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, E A MULHER NÃO LEMBRE
FLORES SEM MISTÉRIO.
Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser frescas nas mãos, nos braços, no dorso, e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37 graus centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferencia grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. QUE A MULHER SEJA EM PRINCÍPIO ALTA
OU, CASO BAIXA, QUE TENHA A ATITUDE MENTAL DOS ALTOS PÍNCAROS.
AH, QUE A MULHER DE SEMPRE A IMPRESSÃO DE QUE SE FECHAR OS OLHOS
AO ABRI-LOS ELA NÃO ESTARÁ MAIS PRESENTE
COM SEU SORRISO E SUAS TRAMAS. QUE ELA SURJA, NÃO VENHA; PARTA, NÃO VÁ
E QUE POSSUA UMA CERTA CAPACIDADE DE EMUDECER SUBITAMENTE E NOS FAZER BEBER
O FEL DA DÚVIDA. OH, SOBRETUDO
QUE ELA NÃO PERCA NUNCA, NÃO IMPORTA EM QUE MUNDO
NÃO IMPORTA EM QUE CIRCUNSTÂNCIAS, A SUA INFINITA VOLUBILIDADE
DE PÁSSARO; E QUE ACARICIADA NO FUNDO DE SI MESMA
TRANSFORME-SE EM FERA SEM PERDER SUA GRAÇA DE AVE; E QUE EXALE SEMPRE
O IMPOSSÍVEL PERFUME; E DESTILE SEMPRE
O EMBRIAGANTE MEL; E CANTE SEMPRE O INAUDÍVEL CANTO
DA SUA COMBUSTÃO; E NÃO DEIXE DE SER NUNCA A ETERNA DANÇARINA
DO EFÊMERO; E EM SUA INCALCULÁVEL IMPERFEIÇÃO
CONSTITUA A COISA MAIS BELA E MAIS PERFEITA DE TODA A CRIAÇÃO INUMERÁVEL.


Imagem: We heart it

2 comentários:

  1. Oi Luana,
    Eu amo este poemapostei no blog por ser longo d+!
    Beijos 1000 e uma ótima 3ª-feira para vc.

    www.gosto-disto.com, só nunca

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  2. Esse poema é muito bonito e é uma penas que algumas pessoas só conheçam essa primeira frase --'

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